terça-feira, 12 de julho de 2016

O acidente, por Serge Daney



Nova variação sobre a perversidade, a mentira, a fascinação e a pusilanimidade. Reconhecemos de passagem os tiques e os tropos de Losey, olhares às vezes vazios, às vezes ambíguos, com freqüência protuberantes, atores mascotes fiéis a si mesmos e enfim reunidos ( Bogarde e Baker), relações de mestres a escravos e vice-versa, fascinadores e fascinados, etc. Em uma universidade inglesa com belas cores, um professor, ainda jovem ( Dirk Bogarde), complica-se inutilmente a vida. Ele ama em silêncio sua aluna, Anna, que um jovem corteja e um terceiro já seduzira. Por covardia, por ser incapaz de desempenhar um papel verdadeiro nesta história, Bogarde torna-se pouco a pouco confidente, organizador, intermediário. Ele dá-se a impressão de dar as cartas, enquanto apenas sofre a ação dos eventos. O personagem de Bogarde acaba por tornar-se fascinante na medida em que o cinema de Losey mostra-se mais e mais à sua imagem. Cinema cuja marca foi sempre a busca ( ao mesmo tempo desconfiança e fascinação) do natural, do espontâneo, do primeiro grau. Qualidades que, é preciso bem admitir, acabaram por desaparecer de Losey desde que este chegou a Albion ( com exceção de instantes fulgurantes: Chance meeting). Só subsiste portanto, o artifício sob todas as suas formas, do desenho animado a um certo “accent inglês”. Observando Bogarde, vemos como funciona esta alquimia: como o natural se torna fabricado, o imediato se converte em calculado ( arrière-pensée), o evidente tortuoso, etc. Podemos achar este artifício insuportável ou comovente “ao segundo grau”. Acidente é um filme vão e sofisticado onde encontramos todas as aparências do rigor. Cada cena se articula sobre um pequeno “detalhe significativo” que o zoom sublinha alegremente. A impressão global é, no entanto, de uma flacidez ( uma flacidez que se enrijece às vezes), para não falar de derrisão.

Serge Daney, Cahiers du cinéma, 191, junho de 1967

Tradução: Luiz Soares Júnior

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